Na água os remos, no horizonte um caminho que vem sendo escrito a muitas mãos. Quem navega pela Baia de Todos os Santos ou apenas a avista em seus recortes encravados na Gamboa ou Praia da Preguiça não imagina que por trás dos cenários de novela estão realidades distintas que vão sendo reconstruídas por crianças e adolescentes apaixonadas pelo mar. Assim, nasceu o projeto Remo sem Fronteiras, que através de aulas de remo, stand up e canoa havaiana insere entre o público de 7 a 12 anos a iniciação no esporte náutico - tudo de forma voluntária e com o objetivo de desenvolver não apenas atletas, mas futuros cidadãos, hoje batizados de Kurumins Kids.
“O projeto existe há 18 anos, mais focado no remo olímpico e paralímpico em Pituaçu, mas com as crianças e adolescentes (Kurumins) há cinco, sobretudo aqui na Gamboa e na Preguiça. Atualmente atendemos cerca de 50 meninos”, conta Sergio Oliveira, educador físico que coordena a iniciativa ao lado de Claudio Mota. As dificuldades são muitas. A canoa que as crianças treinavam está quebrada há um ano, após se chocar contra as pedras, assim como as pranchas, paradas por falta de manutenção. Atualmente eles treinam com equipamentos que são cedidos por amigos e parceiros do projeto. “No início fomos ajudados pela Victorinox, mas o contrato acabou, agora dependemos do governo, que infelizmente é regido por uma burocracia muito grande, então, por enquanto seguimos sem recursos”, conta Sergio.
Pequenos guerreiros
Philipe (com “Ph”, como ele faz questão de destacar) Jesus Santos tem 12 anos e já rema há dois. Conta que o projeto mudou a vida dele. “Aqui é muito bom, a gente não fica dando bobeira na rua. Eu já estava indo para o caminho errado e aprendi a ter responsabilidade e compromisso. Se eu pudesse escolher um presente no Dia das Crianças, pediria para ter mais material para o nosso projeto”.
Mateus, de 11, confessa que tem dificuldades com os estudos, mas se esforça para “passar de ano” (uma das exigências do projeto) e continuar remando. “Muitas coisas mudaram para mim. Gosto de remar, tenho mais responsabilidade com meus irmãos e em minha casa... sou feliz, né?”, diz. Ana Caroline, de 13, diz que sente muita felicidade e fortaleza em casa depois do projeto.
“O mar pra mim é a melhor coisa do mundo”. Entre os assuntos abordados no Remo sem Fronteiras estão não apenas o treinamento técnico e prático, como aulas que envolvem o contexto dos locais onde os grupos vivem. “Aqui eles aprendem a história da modalidade e da região onde estamos inseridos, ou seja, da Gamboa, da Preguiça... Com as crianças temos uma pegada mais lúdica e de conscientização e com os demais um trabalho mais pesado, usando nossa raia natural de mar, indo até a Itaparica, Forte São Marcelo e costeando a Baia de Todos os Santos”, revela Sergio.
Maré que vai e volta
Sempre que há uma criança na água normalmente tem também monitores por perto. Eles são ex-alunos do Remo sem Fronteiras e acompanham o desenvolvimento das novas safras de kurumins. Tanta dedicação tem um resultado: melhores desempenhos em competições de alto rendimento ou em outras áreas sociais. Vinicius Sapucaia, de 15 anos, é um deles. Há três remando, descobriu não apenas uma paixão pelo mar, mas pela fotografia. “É impressionante como tudo mudou pra mim. Tinha asma e agora já
não tenho mais, o SUP me ajudou muito e retribuo ajudando outras crianças. Aprendi noções de fotografia com Peu Fernandes e depois disso já ganhei uma câmera e fotografo eventos e tudo que posso”, declara. Morador da Gamboa, o atleta e monitor Ziggy Marley também se destaca tanto no SUP, como na Canoa Havaiana. “A base do SUP em Salvador vem saindo daqui. O importante é que eles cresçam e sigam em frente. No remo, por exemplo, temos cinco atletas no Flamengo, que indicamos para ter uma condição melhor e assim é com todos. Sem vaidades. Somos uma família”, destaca Sergio.
Padrinhos do presente e do futuro
Esporte, cultura e educação. O que não faltam são ações a serem desenvolvidas nestas áreas impulsionadas por tantos projetos como este. Quem desejar apoiar o Remo sem Fronteiras pode contribuir sendo um padrinho voluntário, ajudando com serviços ou contribuições financeiras. Neste Dia das Crianças, por exemplo, o grupo terá um dia completo no shopping, com direito a parque, cinema e lanche – completamente fora do ambiente em que estão acostumados.
“Imagine que tem menino de 14 anos que nunca foi ao cinema e nos pediu essa ida de aniversário. Muita gente acha que um projeto só dá resultado quando tem visibilidade e isso não é verdade. Temos resultados maravilhosos de uma completa transformação, de jovens que passaram por situações de violência, desvios e falta de orientação, mas que conseguiram mudar completamente suas posturas em casa, com a família e toda a comunidade. O mar por perto é um playground natural que inspira a todos, gerando valores que somados fazem muita diferença. O mar é o agente transformador destes kurumins”, finaliza Sergio.
Fotos: Mar Bahia
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