De milhares a dezenas. Os saveiros da Bahia, que fizeram história econômica e cultural, na Baia de Todos os Santos correm o risco de desaparecer. Pensando nisso, o arquiteto baiano Marcelo Bastos está lançando o Projeto Içar, que visa registrar e preservar a riqueza técnica desta embarcação milenar. O Mar Bahia conversou com ele, que contou todos os detalhes da inciativa.
"O Içar surgiu já no fim da minha formação em arquitetura e urbanismo, por conta da minha inclinação para a parte naval e porque eu percebi na metodologia de projeto dos saveiros uma relação muito forte com os conceitos de programação e modelagem paramétrica que eu vinha me aperfeiçoando. Ele começou com o meu trabalho final de graduação, fase muito importante para validar a metodologia de documentação que eu estava propondo, e abriu caminho para a publicação do projeto piloto no 27º Congresso Internacional de Transporte Aquaviário, Construção Naval e Offshore.
De acordo com Marcelo, na próxima fase - já aprovada por uma lei de incentivo à cultura - serão feitas velejadas até as comunidades onde existem resquícios desses conhecimentos; realizando entrevistas com os mestres carpinteiros e saveiristas; além da captura de imagens aéreas das embarcações remanescentes com o drone. O processamento de todos esses dados será feito no próprio veleiro, gerando a documentação técnica detalhada dessas embarcações.
"Ainda nesta etapa serão feitos os registros dos saveiros remanescentes na baía de todos os santos em oito meses de documentação e como resultado teremos a produção de um acervo permanente para o Museu Náutico da Bahia (Farol da Barra); um filme produzido sobre o processo; e artigos publicados junto com o ShipLab (Texas A&M University)", explica.
A intenção é que todo este registro ajude no reconhecimento da importância que o saveiro teve em diversas áreas. "Pela importância do transporte aquaviário no Brasil, foram desenvolvidas diversas técnicas de projeto e construção navais ao longo da costa brasileira, mas por não possuirmos registro técnico e análises de performasse dessas embarcações, estamos perdendo parte dessa cultura. A documentação técnica, antes de tudo, consegue guardar parte desses conhecimentos para as próximas gerações, mas para além disso, a minha aposta é que a metodologia de projeto utilizada por esses antigos mestres possa causar grande impacto na área de projeto naval por ter muito a ver com as ferramentas computacionais que temos acesso hoje".
"Hoje os saveiristas praticamente só fazem o transporte de areia e pedra para algumas poucas ilhas da Baia de Todos os Santos. Sem o amparo ou reconhecimento da sociedade foi criada uma situação muito delicada onde os mestres carpinteiros navais que dominam essas técnicas não tem nem o direito de utilizá-las, e encontram muita dificuldade de transmitir esses conhecimentos por não dominarem a linguagem acadêmica".
Um dos maiores nomes mundiais quando o assunto são os saveiros, o ucrano-baiano Lev Smarcevski, deixou um enorme legado para o estudo destas embarcações, com documentários, construções e o primoroso livro "Graminho, a Alma do Saveiro". Não à toa, foi ele também quem inspirou o desenvolvimento do projeto Içar. "Lev foi uma das fontes mais importantes no desenvolvimento do projeto, e autor da obra mais citada nos artigos brasileiros e estrangeiros sobre o tema. Além de ter produzido as referências gráficas mais detalhadas dos saveiros até hoje, ele também é Patrono da Associação Viva Saveiro, que é um dos apoiadores do projeto".
O Içar conta com o apoio da Marinha do Brasil, da Sociedade Brasileira de Engenharia Naval, Texas A&M University, Instituto Rumar, Associação Viva Saveiro e Hub Salvador. Quem quiser contribuir com o projeto pode entrar em contato através do e-mail bastos.mf@hotmail.com ou por telefone +55 (71) 988070033.
