Entrevista | Lucio Bahia: "O grande desafio do comodoro é saber conseguir separar a gestão da amizade"
- Mar Bahia 
- há 4 horas
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Neste mês de outubro, um dos maiores clubes de Vela do Brasil, o Aratu Iate Clube, completou 64 anos de fundação. Não à toa, o AIC, como é carinhosamente chamado, vem se destacando por diversos aspectos, evidenciando a evolução das suas últimas gestões.
Para celebrar e entender como esse crescimento vem acontecendo, o Site Mar Bahia bateu um papo com o comodoro Lucio Bahia, de 57 anos, administrador de empresas que há mais de 40 anos é sócio do clube (um dos mais antigos, tendo assumido diversas funções até a de comodoro) e que compartilhou conosco sobre os desafios e conquistas à frente da sua comodoria.

MAR BAHIA - Como nasceu a ideia de construir um masterplan há 64 anos atrás, com uma estrutura longe do centro urbano de Salvador, em uma época em que a náutica ainda não era a "menina dos olhos do grande público"?
LUCIO BAHIA – Alguns fundadores do AIC, Afrânio, Raimundo Ramos, Ângelo Decânio, Hernandes, Gildo, Giorgio e Lazio idealizavam ter um local para guardar suas embarcações. Na época ainda não existiam os atuais veleiros de oceano, mas a paixão pela Vela e pelo mar não foi obstáculo para a distância do centro de salvador.
MB - A distância traz duas questões distintas para o AIC: a primeira, a dificuldade de acesso, que impossibilita muitas pessoas em conhecer de perto a grande estrutura do clube. A segunda, a mesma distância que ajuda a manter um refúgio isolado, além da questão da preservação do ecossistema do entorno, cercado de manguezal e de águas calmas. Fale um pouco sobre isso.
LB – A distancia é uma realidade, porém se compararmos que são 30 a 40 minutos, não é um exagero, considerando os outros grandes centros no sudeste do país. Alguns clubes ficam 3 ou 4 horas da moradia dos velejadores, mas, mais uma vez a máxima da Vela se confirma: velejar é um "cobertor curto" ou você cobre a cabeça ou os pés!
MB - À frente do clube passaram dezenas de comodoros, que se revezaram e também repetiram a missão de comandar o AIC, como Roberto Nadier. Quais as características que fizeram de suas gestões algo tão marcante para os sócios e a diretoria?

LB – O grande desafio do Comodoro e da diretoria é saber conseguir separar a gestão da amizade, pois todos os sócios são amigos. É necessário ter profissionalismo e gestão, seguindo o Estatuto. Com o apoio do Conselho Deliberativo, acredito que estamos fazendo uma boa gestão, sempre valorizando o esporte, exemplo claro da E.V.A, os colaboradores, os eventos sociais e esportivos, os sócios, prestadores de serviços, comunidade local e meio ambiente.
MB - Um dos grandes destaques do clube é a aposta no fomento do projeto da Escola de Vela, voltado para crianças e adolescentes iniciantes no esporte. De que forma uma decisão como essa começou a mudar a relação do AIC com a Vela mais competitiva e com o convívio entre diferentes gerações no clube?
LB – Não é difícil constatar que o AIC estava com os sócios envelhecendo e não existia nenhuma ação para estimular as crianças e jovens a frequentar o clube. Então, surgiu a ideia de reativar (visto que há muito tempo atrás já existiu uma escola, mas foi descontinuada) a Escola de Vela do Aratu (EVA) e foi um sucesso.
Mais de 100 alunos já passaram por ela e já conseguimos um título de Campeão Estreante Brasileiro de Optimist, com o atleta Matheus da Veiga, em 2025. Certamente, vários outros resultados positivos virão, mas o mais importante é destacar o lado recreativo e lúdico que "prende" as crianças, principalmente nas primeiras aulas de Vela. Hoje, ouvimos depoimentos de pais que relatam que as crianças acordam cedo, cobrando para irem logo para o AIC.

Atualmente, o cenário do AIC é totalmente diferente, com barcos nas raias, crianças movimentando a área do clube e consequentemente seus responsáveis. Nos últimos anos, temos novos sócios, que foram incentivados pelos seus filhos velejadores a se associarem ao AIC.
MB - A que você credita a projeção nacional que o Aratu desfruta atualmente?
LB – O bom relacionamento com vários velejadores de outros estados, a nossa propaganda positiva de serviços de pátio para manutenção com preços acessíveis, o fortalecimento da Vela de Oceano, com eventos maravilhosos como a Regata Aratu- Maragogipe e a Regata Tour Salvador-Garapuá, além dos belos roteiros na nossa BTS. Além disso, a criação da classe HPE 25 no clube e o fortalecimento da escolinha e a participação dos Optimists e Lasers nas principais competições nacionais ajudam muito o nosso reconhecimento nacional.
MB - Muitos comentam e apostam sobre as peculiaridades da Baía de Aratu para a prática de outras modalidades como o remo e surfski. Há projetos do clube para essas novas frentes?
LB – Sim, vamos fazer um teste nos próximos meses. Um dificultador é que o remo e o surfski geralmente são praticados bem cedo pela manhã, antes das atividades profissionais do dia e, neste caso, a distância física do AIC prejudica muito, mas vamos superar isso de alguma forma.
MB – Estrategicamente, o AIC ocupa uma localização de destaque no cenário da náutica da Bahia. Como você enxerga e prevê o desenvolvimento das ações do setor náutico nos próximos anos?
LB – Muito se fala pelo governo da nossa linda Baia de Todos os Santos, porém ainda não estamos presenciando as entregas necessárias. Não existe na BTS uma marina pública, por exemplo. Hoje, para embarcar um grupo interessado em fazer um charter, dependemos da boa vontade e de ter vaga em alguma marina particular.
Todos comentam a importância da cadeia de geração de emprego e renda que a náutica traz, uma média de dois empregos diretos e indiretos por embarcação, mas pouco ou quase nada está sendo investido para ter algum resultado nos próximos anos. Espero, com todas as esperanças, que o cenário mude com a velocidade necessária. O que presenciamos hoje são investimentos em infraestrutura e em eventos importantes serem direcionados para outras capitais no Nordeste.

MB - O AIC é tido como um clube festeiro (Risos), conseguindo aliar um calendário de eventos náuticos, mas também com as grandes datas do calendário profano. Fale um pouco sobre essa fusão que congrega sócios e convidados em animadas celebrações ao longo do ano.
LB – É fato que regatas são ótimas e necessárias, mas como bons baianos, não existe compromisso sem "festa"! Muitos velejadores gostam mais das resenhas do que das regatas, e isso é muito importante também, pois traz cada vez mais os barcos para as raias. Regatas antigas estão sendo recuperadas e algumas precisamos até mesmo colocar limite de barcos e de público total em função desse motivo. Sempre que é possível procuramos coincidir os eventos esportivos com alguma festa popular e com confraternização entre os participantes.
MB - Muito se discute sobre os avanços do protagonismo da mulher na Vela. Será que teremos uma gestão de uma comodoria feminina para marcar mais uma vez a história do AIC?
LB – Sou radicalmente contra a defesa da "mulher por ser mulher". Existe cada vez mais o interesse da mulher pelo esporte da Vela, o que é ótimo. Temos várias campeãs nacionais e mundiais na Bahia e no AIC. Felizmente a Vela não é um esporte que necessite de "força bruta" (fisiologia), portanto uma velejadora treinada, com boa vontade, capacidade técnica e competência já tem lugar garantido em vários barcos e tripulações no AIC. Com a gestão, acontece da mesma forma. Hoje, temos cinco sócias no AIC, já tivemos ocupando a posição de presidente do Conselho Deliberativo uma mulher (Nena Barbosa), ou seja, certamente de uma forma natural cada vez mais as sócias estarão participando do dia a dia do clube.

MB - Navegadores de outros estados e países fazem questão de destacar o AIC como um clube que é conhecido pela sua anfitrialidade. Como a diretoria e equipe conseguem manter esse reconhecimento diante de um cenário de acolhimento cada vez mais impessoal em muitos ambientes?
LB – Esse é um ponto forte do clube. Toda a diretoria é democrática na recepção e atendimento das necessidades dos visitantes. Não existem barreiras para dificultar os processos e tentamos personalizar todas as soluções, o que garante a satisfação aos usuários.
MB - De um pequeno clube de saveiros até as mais de 300 embarcações que atualmente o AIC abriga. De lá pra cá, você poderia enumerar as transformações que o Aratu considera marcantes na sua trajetória?
LB – Sem dúvida o comprometimento, a perseverança e a boa vontade dos sócios em apoiar as diversas diretorias que existiram neste período. Fisicamente, a construção da ponte, dos piers, ampliação do pátio, melhorias da área social, estacionamentos e uma gestão profissional ajudaram muito na consolidação do Aratu Iate Clube.
MB - Espaço e vontade de crescer ainda mais sabemos que não faltam ao AIC. Quais são os planos e estratégias do clube para os próximos anos?
LB – Precisamos ainda melhorar os processos de controle de secretaria, talvez até com uso da IA. A ampliação de vagas nos piers sempre é uma necessidade constante, assim como também o sonhado travel-lift para tornar o processo de subida dos barcos cada vez mais seguro. O incentivo e apoio às categorias esportivas também é uma das nossas prioridades.
MB - O que é o Aratu para o velejador, sócio e comodoro Lucio Bahia?
LB – Satisfação e amizades.










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