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  • Foto do escritorMar Bahia

Gerônimo Santana: "Sou marinheiro profissional e se não fosse a música, estaria no mar"

Atualizado: 23 de ago. de 2018



Natural de Bom Jesus dos Passos e um dos ícones da cultura musical da Bahia, o cantor Gerônimo Santana também é um homem do mar. Dono de um saveiro e autodidata na arte de versar, compor e tocar, usa sua música para, na maioria delas, falar das águas. “Eu toco muito mal tudo (Risos)...trombone e violão..., mas isso não reduz meu poder de criação”, declara logo no início da entrevista, onde aos 64 anos, abre o coração e o verbo para falar sobre a Baia onde navega, vive e é capitão.

MAR BAHIA – Mais do que um cantor e uma figura lendária em nossa cultura, você é um homem do mar. Fale um pouco como começou e qual a sua relação com as águas.


GERÔNIMO SANTANA – Minha relação com as águas vem desde a infância. Tecnicamente sou um ilhéu, e no mar a gente começa a conhecer o comportamento da natureza. O mar te manda sinais, diz se vai chover, se a temperatura vai mudar... Sou marinheiro profissional e se não fosse a música, estaria por aí, no mar de algum lugar do mundo, mas a música é muito mais forte. O mar quando quebra na praia nem sempre é bonito, mas vale a pena viver no mar.


MB – Pastores do Mar, É do Mar, É D’Oxum, Abraçar e Agradecer... Como é o processo de construção entre sua paixão pelo mar e as suas composições, que em grande parte, sempre o trazem como referência?


GS – Não sei dizer ao certo... A criação, ela é assintomática, do nada aparece uma melodia ou uma frase na minha cabeça e aí vou construindo a música até terminar – ou não. Pode ser que ela fique no limbo. “É D´Oxum” é uma parceria com meu grande amigo e compositor Vevé Calazans. A gente não esperava nem tinha pretensão que essa música tomasse o rumo que tomou. A compomos em 1983, em Itaparica; onde levamos a noite toda sem conseguir criar... A música levou 15 minutos pra ficar pronta, mas uma noite inteira pra nascer. Ela foi produzida para uma cantora que queria uma gravação de compositores baianos, mas depois que ela ouviu, disse que não era pra ela...Ok. Terminou que a canção foi parar nas mãos de Dorival Caymmi, que a levou para a trilha da novela Tenda dos Milagres, inspirada no livro de Jorge Amado. Imagine!


MB - Quem era a cantora?


GS - Alcione. Ela achou que não se encaixava no perfil dela. Nessa época, Clara Nunes tinha falecido recentemente. Na verdade, Oxum é um orixá doce, iluminado, do amor...e isso talvez não combinasse bem com ela, que não é de Oxum – nem nunca será.


MB – O capitão Gerônimo escolheu um saveiro para navegar na Baía de Todos os Santos. O que o levou a optar por este tipo de embarcação?


GS – Primeiro porque o saveiro é uma embarcação romântica, que tem formas antigas, é do tempo de Jesus e não tem a modernidade e impessoalidade da maior parte das embarcações de hoje. Além de ser seguro. O saveiro é musical, é romântico, singelo – desde o seu porte. Por isso, pus o nome “Elegante”. Mas, veja, vou ter que retirar esse nome porque descobri que tem outro igual e eu não vou colocar “Elegante II”. Então, vou chama-lo de “ELLGUA”, que significa o nome de um exu de origem hispânica. Toda embarcação tem sua alma e o “ELLGUA” terá a dela.


MB – O fomento ao turismo náutico em sua essência, com infraestrutura, valorização e capacitação das pequenas comunidades. Como você enxerga esta realidade?


GS – É muito difícil o trabalho do turismo náutico na BTS. As escunas que fazem esse tipo de trabalho são, a meu ver, embarcações românticas, mas nem tão seguras. Elas têm os mastros, que não são utilizados com as velas e, por isso, enfraquecem a sua velocidade. Para o turismo náutico é preciso barcos velozes para levar as pessoas rapidamente aos muitos destinos na BTS, que abriga mais de 50 ilhas. Veja, que para fazer apenas duas ou três ilhas, as escunas levam o dia inteiro, em um roteiro triangular relativamente perto. Não existe uma preocupação voltada para alternativas de turismo viáveis e funcionais. O mar não pertence ao povo, pertence à Marinha. Isso dificulta que o empresário invista em embarcações modernas, porque ela vai sofrer com muitas burocracias. Veja em Mar Grande. Por que ainda não foi assoreado aquele píer? Existe uma cultura da preguiça, do mais fácil, que impede melhorias fundamentais para este setor. Essa preguiça adentra em todo o mundo. É maresia, literalmente.


MB - Como você vê o acidente com a lancha Cavalo Marinho II, em Mar Grande?


GS - Falta de tudo. De educação do capitão, dos marinheiros, falta de orientação da tripulação, que embarca as pessoas como se fossem cargas. Você sabe que uma multidão não tem inteligência. Um bocado de gente junta é uma estupidez total. Então, uma embarcação daquela, cheia de gente, em condições ruins de mar, onde todo mundo corre para um lado só pra se abrigar da chuva...e não tem ninguém pra orientar...O correto mesmo era a embarcação não ter saído para o mar. Teria sido a melhor decisão. Isso é premissa fundamental em qualquer manual de navegação do mundo.


"O tempo está ruim, não saia para o mar. Seres humanos não são cargas. Um barco é o mesmo que um avião. A navegação é basicamente a mesma, então por que não orientar as pessoas da mesma forma, com o mesmo zelo?"

MB – Nos idos de 95 você foi um dos protagonistas da “invasão” do Forte São Marcelo, em um episódio que até hoje rende resenhas na beira do cais. O que os motivou a liderarem este pequeno “motim”?


GS – Bem, a gente invadiu simbolicamente o Forte para chamar a atenção de um equipamento que poderia ser usado para muitas coisas, sobretudo uma escola náutica ou um centro de treinamento náutico, além de um núcleo cultural de arte. Veja, um local como aquele, com vista de 360 graus da BTS, e que pertence à cidade de Salvador, permanece fechado. Mario Kertész tentou fazer ali um museu náutico, mas não foi adiante. Seria maravilhoso se ali houvesse uma escola náutica. Repare: muita gente que navega na BTS tem habilidades de navegação genuínas, do dia a dia, aprendem na prática, mas não tem condições de pagar ou viabilizarem as habilitações e documentações exigidas. Como é que você vive no mar, do mar e não tem condições viáveis para se aprimorar e capacitar? A maioria dos marinheiros e mestres que fazem a travessia do ferryboat para Bom Despacho, por exemplo, são de fora. A Bahia tem essa cultura de valorização do que é de fora. Veja na nossa música, no nosso Carnaval. Quem são as grandes contratações? Anitta, Pitbull...e levam todo o nosso dinheiro para fora daqui – isso, com o celeiro de artistas que temos! Essa versão da Bahia é tosca...é bosta com perfume. Mas, voltando à “invasão” do Forte, infelizmente, não conseguimos chamar muito a atenção para o que queríamos e o São Marcelo segue até hoje fechado e sem utilidade alguma.


MB – Uma de suas composições mais antigas diz: “Pescador idiota, mata peixe de bomba...”. Você percebe alguma mudança deste cenário na BTS?


GS - Infelizmente, não. A BTS é um berçário. O peixe grande, de valor, ele não vive na Bahia. Ele entra na Bahia, vai até os lugares de mangue, põe os ovos e sai. O peixe grande não gosta de águas muito quentes. Março e abril, por exemplo, é época de entrar tainha...alguns pescadores idiotas sabem disso, então, se preparam para lançar as bombas no mar - isso em qualquer horário! Se você avistar uma catraia com dois ou três a bordo, eles estão dando possíveis pistas de que, enquanto um rema, o outro tá jogando a dinamite.


MB – Estamos em ano de eleições. em 2012 você se candidatou ao cargo de vereador e deputado em Salvador. Como foi esta experiência? Se candidataria novamente?

GS - Sim, se eu tivesse dinheiro para comprar voto! Porque todo mundo que se elege - de A a Z - é eleito com Caixa 2 e compra de votos. Não tem ninguém inocente. Acreditei que poderia contribuir com meu estado, mas morri na praia, literalmente, porque não tinha dinheiro para comprar votos. Por isso, não tenho pena de quem sofre com as consequências de um sistema que ajudou a eleger.


MB – No próximo dia 29 de março, Salvador comemora 469 anos. De tantas composições primorosas suas, há alguma que você ache a mais emblemática para retratar a cidade e por que?


GS – Sim! Um poema de Gregório de Mattos que eu musiquei, chamado “Epílogo”:


“Que falta nesta cidade?... Verdade. Que mais por sua desonra?... Honra. Falta mais que se lhe ponha?... Vergonha.

O demo a viver se exponha, Por mais que a fama a exalta, Numa cidade onde falta Verdade, honra, vergonha”.


MB – O melhor e o pior do mar da Bahia...


GS – O melhor é essa água quente o ano todo, em quase todos os lugares que você nada. O pior, os esgotos, os emissários submarinos que foram feitos muito perto da costa e, por isso, hora ou outra, nos vemos nadando na merda!


Fotos: André Lima


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